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sexta-feira, 23 de outubro de 2009

A origem da Língua Latina

O latim teve sua gênese no Latium (Lácio), região da Península Itálica, em sua parte mais central. Por volta do século VIII a.C., nessa mesma região, foi fundada a cidade de Roma sobre o mito de Rômulo e Remo.

Segundo teóricos, há registros da Língua Latina que datam desde o século XI e VI a.C. Trata-se de antigas “inscrições”, que já utilizavam rudimentos dessa língua. Entretanto, tais inscrições eram bem diferentes de como chegou aos séculos posteriores. Os mais antigos textos literários, porém, pertencem ao III século de nossa Era.

Certamente, o contato com outros povos em razão do expansionismo territorial romano contribuiu e enriqueceu todo arcabouço cultural romano. Povos como os egípcios, etruscos, sumérios, acádios, bálticos, celtas, germanos, saxões, asiáticos etc. foram decisivamente colaboradores na formação cultural dessa cultura latina.

Entretanto, o povo que maior influência exerceu sobre Roma foi o grego. Desde que foram estabelecidas as primeiras relações entre Roma e Grécia, passa a haver uma simbiose, uma troca de valores, o que desencadeou um verdadeiro processo de helenização em Roma. O contato entre essas sociedades estabelece um novo momento para a difusão cultural: Roma passa colher em fontes gregas as formas de apreender religião, a literatura, o alfabeto, costumes, gêneros literários etc. Esse contato enriquece as manifestações culturais em Roma, já que a Grécia estava muito a frente na produção literária e política.

A fala é o que atualiza a língua. Em Roma, devido o processo de expansão, a língua latina foi sendo espalhada por vários cantos do mundo como língua oficial. Paulatinamente, o latim foi sofrendo alterações, transformando-se no que se denominou chamar de Latim Vulgar. Começou a haver, por isso, uma distinção entre o latim falado entre os nobres (Latim Clássico) e o latim falado nas ruas e nos escritos não literários (Latim Vulgar).

Alguns dos motivos para compreender as mudanças ocorridas na língua latina foram, sem dúvida, o contínuo avanço do latim para as regiões conquistadas (as províncias), as grandes distâncias geográficas, o nível cultural dos falantes e a influência estrangeira no processo de aquisição da língua. Se o latim clássico era falado essencialmente pela nobreza, a elite latina, o latim vulgar era falado pelas classes menos abastadas, pela plebe, pelos soldados, escravos etc.

O latim vulgar, mais presente na fala e na oralidade, tornou-se difuso e falado em quase todos os lugares. Entretanto, conservava-se nos textos literários o latim clássico. Mas foi a partir do latim vulgar que se originaram as línguas românicas como o português, francês, italiano, dálmata, romeno, sardo, espanhol etc. Dessa variante lingüística, tida como desvio da norma, nasceram as línguas românicas que compõem as línguas latinas faladas ainda hoje tendo o latim como substrato.

O latim passou por diversas fases em sua contínua evolução desde a descoberta de seus primeiros escritos. A primeira fase é a do latim pré-histórico, falado entre os primeiros habitantes do Latium e anterior a possíveis documentos escritos. Acredita-se que fora falado entre os séculos XI e VIII a.C.

A segunda fase é a do latim proto-histórico, presente nos primeiros documentos escritos. As primeiras inscrições são encontradas na fíbula de Preneste, uma fivela do século VII ou VI a.C. Também foi encontrado inscrições em vasos como o vaso de Duenos.

A terceira fase é a do latim Arcaico. Trata-se da língua falada entre o século III e I a.C. É encontrada em antigos textos literários como as obras de Plauto, Terêncio, Névio, Ênio, C Latim Vulgar Catão ––e também em epitáfios.

Outra fase é a do latim Clássico que floresce a partir do segundo quartel do século I a.C. É nesse período que são compostas as memoráveis obras que marcaram a prosa e a poesia latina. A língua foi imortalizada nos textos de Cícero, Virgilio, Horacio,Titus Livius e outros eminentes escritores.

Outro momento da língua foi o latim vulgar. A passagem do latim clássico para o latim vulgar foi consequência natural da língua seguindo suas necessidades reais de comunicação. Embora tenha se desenvolvido nas camadas populares: pela plebe, pelos artesãos, clientes etc. no dia-a-dia, na oralidade essa variante foi “tomando corpo” e importância, chegando a estar presente em obras literárias como as de Plauto, colocando em seus personagens de teatro a voz a linguagem do povo.

Por fim, temo o latim pós-clássico que se encontra nas obras literárias compostas entre os séculos I e V de nossa Era. Nesse período, a distancia entre a língua falada e a escrita diminui consideravelmente. Com as várias invasões, o latim vai perdendo sua unidade e começa a transformar-se em diversos falares locais o que desencadearia as línguas românicas.

O alfabeto latino, por muito tempo, constou de apenas 21 letras que eram: A, B, C, D, E, F, G, H, I,K, L, M, N, O, P, Q, R, S, T, U, X. A posteriori, para transcrever certas palavras de origem grega foram, no século I a.C., acrescentadas as letras Y e Z de seu alfabeto. Além disso, por carecer das consoantes J e V, as vogais I e V faziam a função das consoantes referidas.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Steven Pinker e a Linguagem

O psicolinguista norte americano Steven Pinker , em entrevista dada à Folha de São Paulo em 05/01/2007, tece comentários sobre o que ele concebe por “instinto” da linguagem.
Em resposta à pergunta sobre o que queria dizer com tal termo, Pinker diz que não se refere à capacidade de falar uma determinada língua como o inglês ou o francês, mas à capacidade inata da espécie humana de adquirir e utilizar a linguagem. O psicolinguista faz uma analogia às aranhas, cujas teias seriam sua habilidade inata, que por ser instinto, não dependeria do estímulo externo, do ensino, “seu cérebro de aranha é que lhes dá a pulsão de tecer e a competência para fazê-lo”.
De semelhante modo, uma criança de berçário já estaria apta a realizar a linguagem porque existiria “uma máquina de aprender”, um programa para a linguagem, que seria uma faculdade inata, que nos tornaria capazes de apreender estruturas e realizar operações linguísticas, o que Chomsky chama de Gramática Universal.
Ao ser indagado sobre o porquê de uma criança não nascer falando, o linguista advoga que o cérebro dos bebês não nascem prontos. E, o tempo necessário para isso seria 18 meses, idade com a qual as crianças começam a falar. Depois do nascimento, o cérebro da criança passa por “transformações” que aprimoraram desenvolvimento linguístico. O aprendizado dar-se-ia, então, com o compartilhamento do código, ou seja, a capacidade inata (GU) sincronizando-se à língua falada ao redor de si.
Segundo Pinker, ao ser perguntado sobre a gramática universal de Chomsky, ela consiste em uma estrutura subjacente a todas as línguas. Observa-se esse fenômeno nas crianças quando começam a falar. A G.U lhes permite falar mediante regras complexas da linguagem, sem, contudo, precisar repetir o que ouviu ao seu redor. Por isso a G.U processa e atualiza a língua criando um conhecimento inconsciente da linguagem.
Sobre a diversidade de línguas mesmo com a existência da GU, o linguista diz que embora haja diferenças entre essas línguas, as estruturas são semelhantes; a sintaxe, a fonologia, e parâmetros estruturais.
Além disso, haveria mais pontos em comum: o canal boca/ouvido na interação, que pressupõe a percepção – “um milagre biológico”. Uso de código lingüístico simétrico e arbitrário que convencionam as palavras. O uso de categorias de palavras que nomeiam e caracterizam, e dão noção de tempo também são particularidades das línguas, mesmo distintas.
Sobre as ligações da linguagem com o cérebro, Pinker alega que não é um estudo fácil por que não se pode utilizar ratos ou moscas como objeto de pesquisa. A maior informação seria advindas de estudos de pessoas com problemas neurológicos. Segundo ele, o aprendizado (da linguagem) corresponde a certos reforços da sinapse (conexões entre neurônios) .
Perguntado sobre se há existência de um gene da gramática, o linguista não afirma categoricamente a existência de gene da gramática. Diz, porém, que há, grandes problemas sobre a linguagem e sua gramática e estão relacionados a problemas genéticos, mas isso não suporia um gene específico para essa área da gramática e das regras da linguagem.

Falares locais e dialetos

No Brasil, como há variedades de falares, pode-se observar algumas nuances fonéticas na realização da langue, o que comumente denomina-se dialetos. Antenor Nascentes identifica essas nuances e a abrangência delas como falares ou dialetos locais e regionais. Há, para ele, no Brasil, o falar fluminense, o falar baiano, o nordestino, o sulista e o amazônico. Nessas regiões, identificam-se particularidades lingüísticas (fonéticas, fonológicas, morfológicas etc.), que apontam para pluralidade de normas e registros.

No norte do país, registra-se o uso maciço da vogal pretônica aberta. Em palavras como /odeio/, /rebolo/ têm-se, respectivamente, a realização fonética [ódeio] e [rébolo] com a vogal pretônica aberta, com recorrente uso na Bahia, Pernambuco e outros estados do nordeste. Na região de São Paulo, observa-se que o fonema /r/ em sílaba travada, como em porta, é retroflexo, alguns o chamam de [r] caipira. No Rio de Janeiro, o mesmo fonema /r/, em sílaba travada se articula como fonema mais gutural, velar. Em falares/dialetos nordestinos como na Paraíba, Pernambuco, Ceará, além da prosódia característica, têm-se o fonema oclusivo /t/ com traços mais linguodentais, como se vê em [tia], já no dialeto fluminense, este mesmo fonema oclusivo /t/ antes do fonema vocálico /i/ , apresenta [tsia], um chiado característico, próprio do falar do Rio de Janeiro, o que a fonética chama de [ts] africado.

Em termos gerais, diz-se que os “dialetos são as formas características que uma língua assume regionalmente” (CUNHA, 2007, p. 4). Ou seja, são as variedades linguísticas, que se materializam mediante uso maciço e expressivo por uma comunidade, grupo ou região que partilham da mesma norma.

Se o dialeto possui uma abrangência social da língua, o idioleto é o uso particular, a parole. Ele é, pois, a realização individual e expressiva da língua, que, por conseguinte, abarca todo traço linguístico do falante. No idioleto é que se observa o conceito de desempenho/performance chomskyano, na relação competência/desempenho.

Ao falar sobre diferenças que existem em um sistema linguístico, reconhece-se que embora haja uma unidade estrutural da língua, não há uma igualdade ou homogeneidade nela, ou seja, o sistema não é monoclítico e sim heteroclítico. Há um ideal de língua padrão, que vige como variante de prestígio e há variedades (ditas) não-padrão, língua mais popular. O fato é que a língua, nesse caso específico a portuguesa, sofre a todo instante a ação de seus falantes, e de acordo com escolaridade, região e grau de (in) formalidade que a situação exija, têm-se realizações distintas para a mesma língua portuguesa.

Existem estudos linguísticos que investigaram as particularidades que jaz a variação da língua. Segundo pesquisas, a língua sofre variação diatópica. Trata-se de uma variante que existe em determinadas regiões, por influencia de colonização ou até mesmo o clima, relevo etc., que contribui de alguma forma para o desenvolvimento de características linguísticas próprias do grupo, da localidade, formando regionalismos, dialetos. Há também a chamada variação diastrática. Essa variedade é produto do grau de instrução do falante, de sua formação, escolaridade, grupo a que pertence. Ou seja, por esse modelo, afirma-se que o desempenho do falante é determinado pela sua posição sociocultural e seu papel na sociedade. Das diferenças entre as camadas sociais, surgem também as variedades: culta, padrão e popular. E, por último, fala-se na variedade diafásica, que consiste nas diferenças das modalidades expressivas da língua. Entra nesse tipo de variedade a modalidade da língua falada, escrita, literária, língua dos homens, mulheres, faixa etária etc. Todos esses fatores: geográficos, históricos, sociológicos e culturais fazem com que haja variação da língua, seja em nível fonético, fonológico, morfológico, sintático ou semântico.

O instinto da linguagem

Fichamento do livro de PINKER, Steven. O instinto da linguagem;


Cap. 1 Um instinto para adquirir uma arte

Ao ler estas palavras você estará participando de uma das maravilhas do mundo natural. Porque você e eu pertencemos a uma espécie com uma capacidade notável: podemos moldar eventos nos cérebros uns dos outros com primorosa precisão. Essa habilidade é a linguagem. Por meio de simples ruídos produzidos por nossas bocas, podemos fazer com que combinações de ideias novas e precisas surjam na mente do outro.

Em qualquer história natural da espécie humana, a linguagem se distingue como traço preeminente. Um humano solitário é, decerto, um engenheiro e fantástico solucionador de problemas. Mas uma raça de Robson Crusoés não impressionaria um extraterrestre. O que realmente comove quando se trata de nossa espécie fica mais claro na história da Torre de Babel, em que os homens, falando uma única língua, chegaram tão perto de alcançar o céu, que Deus sentiu-se ameaçado. Uma língua comum une os membros de uma comunidade numa rede de troca de informações extremamente poderosa. Todos podem beneficiar-se das sacadas dos gênios, dos acidentes da fortuna e da sabedoria oriunda de tentativas e erros acumulados por qualquer um, no presente ou no passado. E as pessoas podem trabalhar em equipe, coordenando seus esforços por meio de acordos negociados.

A linguagem está tão intimamente entrelaçada com a experiência humana que é quase impossível imaginar a vida sem ela. Quando as pessoas não tem com quem conversar falam sozinhas, com seus cães e até mesmo com suas plantas. Em nossas relações sociais, o que ganha não é a força física, mas o verbo – o orador eloquente, o sedutor de língua de prata, a criança persuasiva que impõe sua vontade contra um pai mais musculoso.

Este livro trata da linguagem humana. Diferentemente de vários que levam “língua” e “linguagem” no título, ele não vai repreendê-lo sobre uso apropriado da língua, procurar as origens das expressões idiomáticas (...) pois não escrevo sobre o idioma inglês ou qualquer outro idioma, mas sobre algo bem mais básico: o instinto de aprender a falar e aprender a linguagem.

Há uns trinta e cinco anos, nasceu uma nova ciência agora denominada “ciência cognitiva”, que reúne ferramentas da psicologia, da ciência da computação, da linguística, da filosofia e neurobiologia para explicar o funcionamento da inteligência humana.

A recente elucidação das faculdades da linguística tem implicações revolucionárias para a nossa compreensão de linguagem e seu papel nos assuntos humanos, e para nossa própria concepção da humanidade. Muitas pessoas cultas já têm opiniões sobre a linguagem. Sabem que é a invenção cultural mais importante do homem, o exemplo quintessencial de sua capacidade de usar símbolos, e um acontecimento sem precedentes em termos biológicos, que o separa definitivamente dos outros animais. Sabe que a linguagem impregna o pensamento, e que as diferentes línguas levam seus falantes a construir a realidade de diferentes maneiras. Sabem que as crianças aprendem a falar a partir das pessoas que lhes servem de modelo, e dos adultos que cuidam delas, sabem que a sofisticação gramatical costumava ser fomentada nas escolas.

Nas próximas páginas, tentarei convencê-los de que estas opiniões corriqueiras estão erradas. Erradas pelo seguinte: A linguagem não é um artefato cultural que aprendemos da maneira que aprendemos a dizer a hora ou como o governo federal está funcionando. Ao contrário, é claramente uma peça de constituição biológica de nosso cérebro. A linguagem é uma habilidade complexa e especializada que se desenvolve espontaneamente na criança, sem qualquer esforço consciente ou instrução formal, que se manifesta sem que se perceba sua lógica subjacente, que é qualitativamente a mesma em todo indivíduo.

Alguns cognitivistas descreveram a linguagem como uma faculdade psicológica, um órgão mental, um sistema neural ou um modo computacional. Mas prefiro o simples e banal termo”instinto”. Ele transmite a ideia de que as pessoas sabem falar da mesma maneira que as aranhas sabem tecer teias. A capacidade de tecer teias não foi inventada por uma aranha genial não reconhecida e não depende de receber educação adequada ou de ter aptidão para arquitetura ou negócios imobiliários. As aranhas tecem por que têm no cérebro de aranha, o que as impele a tecer e lhes dá competência para fazê-lo com sucesso.

Pensar a linguagem como instinto inverte a sabedoria popular, especialmente da forma como foi aceita nos cânones das ciências humanas e sociais. A linguagem não é uma invenção cultural, assim como a posição ereta não o é. Uma criança de três anos é um gênio gramatical, mas é bastante incompetente em termos de artes visuais, iconografia, religiosa, sinais de trânsito etc.

Embora a linguagem seja uma habilidade magnífica exclusiva do homo sapiens entre as espécies vivas, não quer dizer o estudo dos seres humanos deve ser retirado do campo da biologia, pois existem espécies que possuem habilidades magníficas, o morcego por exemplo, capturam insetos no ar com um sonar. No show dos talentos da natureza, somos apenas uma espécie cujo maior espetáculo é o jeito todo especial de comunicar informação sobre quem fez o que para quem modulando os sons que produzimos quando expiramos.

A linguagem, então passa a ser vista como uma adaptação biológica, que é parte de nossa herança genética, biológica, mas que também é adaptação para transmitir informação. Por fim, resume-se que a linguagem seja produto de um instinto biológico, bem planejado, interno. Não é algo que os pais ensinam os filhos ou que se aprende na escola. Uma criança possui conhecimento tácito de gramática mais sofisticado que o mais volumoso manual de estilo ou do que o mais moderno sistema de linguagem de computador. O home tem uma tendência instintiva para falar, como vemos no balbuciar de nossos pequenos filhos.

No século XX, Chomsky elabora a mais famosa tese de que a linguagem é como um instinto, e que as crianças desenvolvem gramáticas complexas rapidamente, sem qualquer instrução formal, e a medida que crescem, dão interpretações mais coerentes a novas construções. Para ele, as crianças têm de estar equipadas de modo inato com um plano comum às gramáticas de todas as línguas, uma gramática universal, que lhes construam o padrão sintático da fala de seus pais.

Chomsky e outros teóricos desenvolveram teorias de gramáticas mentais que subjazem aos conhecimentos que as pessoas têm de certas línguas e da Gramática Universal. Os estudos sobre a linguagem despertam interesses de diversos estudiosos, ampliando a discussão sobre esse fenômeno da linguagem. Cabe, porém, destacar a fascinação pelo tema da linguagem que desperta pesquisas em todo mundo, ratificando as já existentes, ou retificando-as.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Poema: A angústia de Ser moderno

Entre o Céu
E a Terra...
Um espaço (de tempo) que se desloca entre:
A Vida e
A Morte.
Morte...
Viver em: Eros ou Tanathos ?

Qual desejo que se espalha pelo pensamento entre viver e sofrer
Morrer e ter paz.
Ao mundo caduco, um pouco de juízo;
Ao Velho do restelo, profecias mais criteriosas.
De saber que o tempo finda
E o fim já vem
E Le vem já
Já vem ele
Vem ele já
Vê já o
(..)

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Fichamento do livro: Manual de Linguística; cap. 1

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
DISCIPLINA DE LINGUÍSTICA II MINISTRADA PELO PROF. EDUARDO KENEDY
Elaborado pelo aluno André Marques

A linguagem é uma capacidade ou faculdade mental que todos os seres humanos- e apenas seres humanos- possuem. Ela é a mesma nos cerca de seis bilhões de indivíduos da espécie humana.
Essa capacidade pode ser considerada um órgão da mente, que nos permite adquirir e usar diferentes línguas.

Dizer que essa capacidade é inata significa que não a aprendemos no curso de nossa experiência de vida, mas já nascemos com ela. Essa competência está em nossa mente e não em um animal, num macaco por exemplo. O macaco ou o papagaio, por mais espertos que sejam não têm essa capacidade em sua mente.

Esse conhecimento tão complexo é parte de nossa biologia. Se não nascêssemos com ele, não haveria meio de aprendê-lo só através da observação das coisas. Se a linguagem fosse aprendida apenas como em um jogo de repetição, só seríamos capazes de falar apenas o que ouvimos. De fato, quando falamos demonstramos saber muito mais do que aquilo que ouvimos.
Essa propriedade de nossa capacidade de linguagem é conhecida pelos linguistas como infinitude discreta, ou seja, somos capazes de produzir um número infinito de expressões gramaticais, a partir de um conjunto finito de elementos e princípios linguísticos. É assim que ocorre com os sons da língua, com vinte ou trinta sons podemos produzir quantas palavras? Não dá nem para contar porque não tem fim.

Duas correntes surgem nesse período, o comportamentalismo de Skinner e cognitivismo de Chomsky. Skinner achava que o fenômeno da linguagem humana podia ser explicado “de fora pra dentro”, isto é, a criança receberia os estímulos linguísticos do ambiente e, então, reproduziria suas respostas verbais. Chomsky demonstrou que só os estímulos ambientais não seriam suficientes, seriam pobres comparados a complexidade do sistema verbal exibido por uma criança.

Chomsky aponta duas questões filosóficas sobre a cognição humana: o problema de Platão e o problema de Orwell. O problema de Platão é exatamente o problema da pobreza de estímulos; como podemos saber tanto com tão poucas evidências? A resposta seria a que já nascemos sabendo. O outro problema, o de Orwell teria a pergunta: “como podemos saber tão pouco se temos tantas evidências?” Chomsky vai dizer que apesar de muitos meios externos de comunicação ainda somos manipulados e por isso acreditamos em certos pontos de vista em detrimento de outros.

O fato de nascermos sabendo, fornece a resposta ao problema de Platão, nascemos com princípios gerais para adquirir uma língua e isso ajuda a organizar os estímulos verbais deficientes.Esse processe se dá de maneira bem homogênea para todas as crianças, independente do meio que sejam criadas.

Esse processo natural e espontâneo é que se chama de aquisição da linguagem, devendo ser diferenciado do termo aprendizagem. A aquisição é o que ocorre a criança exposta a estímulos, a aprendizagem depende do esforço exercido, da prática. A aquisição da linguagem é, de fato, um processo universal, é a sua homogeneidade na espécie humana.
A competência é o saber lingüístico abstrato que temos em nossa mente, esse saber ou competência lingüística é acessado toda vez que precisamos produzir ou compreender frases. O uso desse saber numa situação de fala específica é que constitui o desempenho. Assim, pode-se dizer que competência é o saber e o desempenho é o fazer.

Esse saber fazer compõe regras de encaixe da gramática universal da linguagem que são inatas, uma capacidade humana, comum a todas as línguas humanas.

Observa-se que tal gramática não se assemelha a noção de norma gramatical. Essa gramática normativa impõe regras com a finalidade de controle social. A gramática normativa afasta-se, portanto, da gramática intuitiva do falante, que adestrado em suas regras, não reconhece como competência natural.

As normas são variáveis e o que é considerado “certo” hoje, poderá não selo amanhã, assim, como muita coisa que já foi vista como “certa” ontem, já não o é mais hoje em dia. Oliveira Lima sugere que o caminho alternativo é a educação pela inteligência. Ao invés de despejar conteúdos ultrapassados, o professor de línguas pode provocar o raciocínio e a imaginação e a capacidade resolver problemas.

A noção de certo e errado é o que gera preconceito lingüístico, difundindo a idéia de que há língua superior e língua primitiva. A gramática descritiva visa estudar e descrever os fenômenos lingüísticos sem estabelecer julgamentos de valor. Além disso, faz uma reflexão analítica que procura compreender os fenômenos de modo objetivo.
A gramática de uma língua é, portanto, um mecanismo mental que permite juntar o conhecimento dos sons com os conceitos e idéias, construindo palavras e frases.
O lingüista Roman Jakobson propôs um esquema que sistematizou elementos constitutivos de todo ato de comunicação verbal, argumentando que ênfase em cada um desses elementos caracteriza uma função linguística.

A função expressiva emotiva centra-se no destinador ou emissor, a apelativa centra-se no destinatário, no receptor; a função referencial centra-se no referente, no contexto, de base denotativa, factual; a função fática centra-se no canal, ou contato físico ou psicológico; a função metalingüística centra-se no código, tem por finalidade verificar se o código permite a comunicação; a função poética, por fim, centra-se na mensagem, nas propriedades estéticas, nos ritmos enfim.






quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Gêneros Editorial e Crônica


1- O que é um editorial?

A linguagem jornalística adota o padrão culto da língua sem, contudo, perder o universo vocabular do leitor. O jornal procura organizar-se e adaptar-se às condições cognitivas do público leitor. Podemos dizer também que o jornal substituiu as cadeias dialógicas e narrativas as quais eram dadas a conhecer os fatos pelo boca a boca, anterior a imprensa. Com essa substituição, o ato de comunicação, pertinente ao intercâmbio de experiências, ficou, em parte, por conta do jornal, que traz os fatos ocorridos em diversas partes do mundo, numa seqüência de laudas escritas. O objeto de nosso estudo é o gênero jornalístico, para isso trouxemos o editorial do jornal O Globo. O editorial e a parte mais importante do jornal que expressa o ponto de vista deste sobre os fatos relevantes, levando em conta os reflexos e transtornos que estes fatos causam na vida social.

O texto de caráter opinativo explicita o pensamento da instituição mantenedora que, ao abordar a uma notícia ou a um tema qualquer, posiciona de forma crítica a uma vertente. Dessa forma a ideologia defendida pelo jornal perpassa ao interlocutor e o faz, muitas vezes, posicionar-se com a mesma tomada de opinião do editorialista. A começar pelo titulo: ”Nossa Opinião” (caso específico do jornal O Globo) que contribui para que o pensamento de editor seja absorvido pelo leitor.

No discurso, o editor utiliza linguagem denotativa para dar clareza sem incorrer no risco das ambigüidades da conotação. O texto possui a estrutura argumentativa que parte do pressuposto: tema, tese e desenvolvimento com o discurso mais objetivo possível e dispondo da neutralidade, melhor seria dizer um distanciamento, com verbos na primeira pessoa do plural. Esse recurso pessoal do verbo induz o leitor a acreditar que essa é sua opinião.

No título do editorial que tomamos como objeto de estudo “Um Passo”, notamos que a posição do sujeito-autor em relação ao tema (Segurança púbica) e de criticar o letargo, a falta de preparo e equipamentos de inteligência das instituições públicas de segurança no que tange a ineficiência dos serviços prestados à sociedade. O editorialista serve-se com isso da liberdade de imprensa no país para criticar, polemizar, depreender os assuntos que viram notícias e são pertinentes ao conhecimento do interlocutor.

2- Semelhanças e diferenças entre crônica e editorial:

A crônica e o editorial estão veiculados no jornal e ambas são produzidas e assinadas por pessoas renomadas e competentes para faze-lo, dentro da instituição que veicula. Ambas tratam de fatos da atualidade e se posicionam desta ou daquela forma para comunicar algo ao leitor, e tem como especificidades à efemeridade. No que tange às diferenças, o editorial carrega sobre si a responsabilidade de levar a púbico a opinião do jornal, a voz da instituição. A crônica, no entanto, traz a opinião do cronista que tem a função de recriar a noticia e tem a liberdade na linguagem e no conteúdo para produzir e explorar bem o assunto. O cronista discute o tema abordado de forma própria e até na composição estética do texto difere-se do editorial.

O cronista faz de sua crônica um diálogo com o leitor por sua linguagem subjetiva e suas conotações. Rubem Braga, famoso cronista, é um exemplo de diálogo entre escritor e leitor: “Mas ainda insistem?” “Ah, se eu pudesse escrever, aqui, insultos e adjetivos que tenho no bico da pena..” (Ao Respeitável publico) este trecho nos mostra uma forma própria da crônica, verbo na primeira pessoa do plural, trabalha com uma linguagem humorística e irônica, e com esses recursos Rubem Braga fala da enfadonha rotina de ter que escrever para agradar ao leitor. O “EU” constantemente presente na crônica aliado ao espírito criativo do cronista, muitas vezes, eleva o texto da crônica a um tom poético, um lirismo na prosa que estreita as relações entre crônica, poesia e poema.

Essas características estão notavelmente ausentes no editorial, onde a linguagem é objetiva, cientifica e com a neutralidade dos verbos em primeira pessoa do plural. Estes recursos adotados pelo editorialista são para dar respeito e aceitabilidade da matéria ao meio jornalístico.

O editorial tem como finalidade comunicar os fatos de forma clara sem dar margem para outras compreensões. O editorial nos dá ainda, subsídios para analisar – coma ótica do jornal, exceto o de título: Outra opinião– a formação discursiva que deriva das ideias sobre o assunto discutido. A crônica aborda temas atuais, mas não tem a função de persuadir apenas de levar o leitor a refletir o tema. De certo modo essa reflexão é inusitada se comparada ao modo tomado por outros gêneros jornalísticos justamente pela liberdade de que dispõe o cronista. Liberdade que leva o cronista a ousar e compor as crônicas com recursos e sonoridade, metáforas, metonímias, aliteração e outros. Isso aproxima a produção jornalística aos requisitos dos textos literários. O que atualmente é inexistente nos editoriais.

2- Relação entre o poema “Morte do leiteiro” de Drummond e crônica e poesia:

“O historiador e o poeta não se distinguem um do
outro, pelo fato de o primeiro escrever em prosa
e o segundo em verso (Pois, se a obra de Heródoto
composta em verso, nem por isso deixaria de ser
obra de historia figurando ou não o metro nela)
diferem entre si porque um escreveu aquilo que
aconteceu e o outro aquilo que poderia ter
acontecido...”“.
(Aristóteles.Arte Poética.cap.IX pág.43)

O poema de Drummond “A morte do leiteiro” aproxima-se de uma crônica porque ambas possuem verbos na primeira pessoa do singular com o EU muito presente e atuante nas ações. O teor das crônicas também, no geral, é bastante lírico com um derramamento das subjetividades, que logo percebemos um fazer poético por parte do cronista. Isso gera uma espécie de poesia em prosa ou prosa poética que dão a crônica status muitas vezes literários.

O poema referido dialoga com a crônica porque usa como matéria-prima a noticia, uma informação, algo da atualidade como a morte, violência, crime etc. Com esses elementos fez a composição do poema, com o núcleo temático da crônica. Mas o âmago do poema (A morte do Leiteiro) é a estética, o fazer literário que trabalha com recursos sonoros, imagens, metáforas, aliteração e com a liberdade de recriar e fingir, passear em meio ao inverossímil sem se preocupar com o juízo do interlocutor que sabe por onde divaga os textos literários. Nem a uma crônica versificada se atribui na totalidade caráter poético porque sempre terá que tangenciar o verossímil. Talvez essa seja a barreira, ainda, entre esses gêneros. O cronista trabalha seu ente poético, mas sabendo dos limites entre os dois gêneros.

A crônica tem recursos estilísticos, mas não deixa estes comprometer a compreensão do texto visto que os fatos históricos sempre sobrepujam a ficção e o eu, mesmo quando o tema é naturalmente poético. Vemos isso em Drummond: seu interesse é muito mais com a estética do texto do que com a própria informação. Já a crônica é pertinente a sua linguagem referencial com o intuito de informar e expressar sem comprometer essa função com os produtos da imaginação e da fantasia criadora. A arte poética próxima das crônicas ajuda a recriar o fato trivial, frio e melancólico de reportagens e notícias por uma criação leve e descontraída pela criação do autor.

Bibliografias:
Jornal O Globo
Arte poética.Aristóteles.ed.Martin Claret.2005
Apostilas fornecidas pelo professor: A Crônica
Resumo do trabalho apresentado ao UNIPLI.

NEOLOGISMOS CRIADOS POR MEIO DA COMPOSIÇÃO

Os neologismos são novas palavras, que criadas, podem ou não cair no uso dos falantes da língua.Alem de ampliar o léxico, os neologismos suprem uma determinada necessidade de designar algo novo na língua.

O processo de composição implica a justaposição de bases autônomas ou não-autônomas. A unidade léxica composta, que funciona, morfológica e semanticamente como um único elemento, não costuma manifestar formas recorrentes, o que distingue da unidade constituída por derivação. Revela um caráter sintático, subordinativo ou coordenativo.

Composição Subordinativa

Numa relação de composição entre os ítens lexicais, a posição de proximidade entre estas palavras gera uma relação de determinado/ determinante ou vice-versa. Torna-se um só item lexical, morfológico e semanticamente definidos, há, por isso, uma transposição ao nível de palavra.

Ex. “Sem grandes nomes notórios a São Clemente mantém-se fiel à sua linha de enredos-denúncias”
O 2º termo determina, especifica o 1º.

“Operação-desmonte”, “político-galã” (base substantiva)
“lava-louça, “guarda-volume” ( base verbal)
“pinta-preta”, média-metragem (base adjetival)

COMPOSIÇÃO COORDENATIVA

A função sintática da coordenação é exercida pela justaposição de substantivos, adjetivos ou membros de outra classe gramatical. Os componentes substantivais e adjetivais compostos coordenados não apresentam relação de determinante e determinado. As bases que compõem a nova unidade léxica desempenham a mesma função que a do elemento recém-formado e associam-se copulativamente a fim de formarem esse neologismo.

Ex. “Enviar uma delegação Jordaniano-palestina às conversações com os israelenses.”

Rítmico-harmônicas, partidária-eleitoral, outono-inverno, caça-fantasma, telespectador-eleitor.

COMPOSIÇÃO SATÍRICA

O mecanismo da composição, ao possibilitar a associação de bases providas dos mais variados matizes semânticos, ocasiona a criação de ítens léxicos que procuram despertar a atenção do receptor. O estranhamento é provocado pela quantidade dos elementos compostos.

Ex. “O aparelho do Estado que a ditadura militar-tecnocrática-empresarial utilizou durante um quarto de século.”

Candidato-deputado-cantor/ partido-ônibus/ papamóvel/ momóvel/ franco-móvel/ sambódramo, fumódramo, camelodramo, namoródramo

COMPOSIÇÃO ENTRE BASES NÃO-AUTÔNOMAS

Ao contrario dos processos composicionais até agora descritos, a composiçao pode ocorrer entre bases não-autÔnomas ou entre uma base autônomas e uma não-independente ou vice-versa. Geralmente vinda de fonte erudita grega ou latina, as bases não-autônomas compõem itens léxicos característicos de vocabulários especializados.

EX. Onicomicose (do grego onico – unha) é o nome dado à doença quando a última é a unha do pé.

COMPOSIÇÃO SINTAGMÁTICA

Ocorre quando os membros de um seguimento frasal se encontram em uma íntima relação sintática, tanto morfológica quanto semanticamente. Entre a unidade léxica constituída por composição propriamente dita e a formada por composição sintagmática existem diferenças: A ordem de apresentação é sempre a do determinado seguido do determinante, além disso, o tipo de composição pode apresentar regras próprias quanto a flexão de gênero e número enquanto a os membros integrantes do composto sintagmática conservam peculiaridades flexionais de suas categorias de origem. A unidade lexical sintagmática encontra-se ainda em vias de lexicalização. Por isso, não costuma vir unida por hífen.

Ex. produção independente/ meio de comunicação/ condomínio fechado/plano verão, plano Collor

COMPOSIÇÃO SINTAGMÁTICA NOS VOCÁBULOS TÉCNICOS

Resultam de uma indefinição em relação a designação de uma nova nomeação.São vocábulos técnicos que usados com muita freqüência caem no uso.

Ex. Conta remunerada/ agenda eletrônica/ processamento de texto/ inteligência artificial/ ônibus espacial/ reserva de mercado


COMPOSIÇÃO POR SIGLAS OU ACRONÍMICA

Tipo especial de composição sintagmática, a formação de unidades neológicas por meio de siglas ou acronomia que resulta da economia discursiva.

Ex. Exército Revolucionário do Povo ERP
Partido dos Trabalhadores PT
Força Aérea Brasileira FAB

Pode também ocorrer união de algumas sílabas:

ANVISA- Agência Nacional de Vigilância Sanitária

DERIVADOS DE SIGLAS

PMDB- Peemedebistas
PT- Petistas

Análise do poema Sobôlos rios de Camões

O poema “Sobolos rios” de Camões possui uma intertextualidade que nos conduz a um diálogo com a história mundial, com a bíblia, com Santo Agostinho e com a filosofia platônica. Essa polifonia revela a dualidade de Camões: céu x terra, graça x pecado. A sua lírica em “Sobolos rios” é um canal que nos leva à interminável, dialética entre o celeste e o terreno. A via pela qual discorre esse manancial é a filosofia de Platão que caminha separada, mas que num certo ponto do poema se condensa ao pensamento cristianizado de Santo Agostinho.
Os caracteres gerais da lírica de Camões revelam uma grande relação entre eu-biográfico e eu-lírico. A essência camoniana, como poeta, parece encharcar suas poesias. O eu-lírico é uma voz do próprio poeta, haja vista muitos poemas terem sido construídos rememorando paixões, amores e decepções que tivera na vida.
O diálogo que o poema faz com a história, ou com a própria vida do poeta serve de componentes ou fragmentos de matéria prima para a construção da obra. Camões, por muito tempo, ficara distante de Portugal. Foi à China e por algum tempo trabalhou nesse país. Mas, foi na África que viveu parte do seu “exílio”, longe de pátria e da sua gente, cantando as saudades de Sião, que por hora estava distante. Por longos anos Camões viajara em combates. Camões era um peregrino e um desterrado em boa parte da vida. Sobolos rios traz um eu – lírico saudoso de sua terra, de sua origem. Dessa forma, observamos uma relação entre vida e obra de um autor exilado. O engenho de Camões prossegue quando traz o diálogo com a história santa da terra de Israel. O eu-lírico se coloca como exilado em solo estranho. A própria sagrada escritura serve de apoio para ratificar a purgação e o sofrimento dele. Entra, por isso, o conflito interior entre a realidade terrena e a celeste. Nessa perspectiva ele opta por uma das realidades ao longo do seu lirismo saudosista para alcançar seu designo, o céu.

Babilônia e África:

“Se eu me esquecer de ti, ó Jerusalém, que minha mão direita se paralise! Que minha língua se me apegue ao paladar, se eu não me lembrar de ti, se não puser Jerusalém acima de todas as minhas alegrias” (Salmo 136, 5.6)
O povo judeu foi deportado para Babilônia em 580 a.C. Esse povo sofria e chorava às margens dos rios que cortavam a Babilônia. Milhares de Judeus esperavam o dia em que Deus, mais uma vez, fosse lembrar-Se deles e reconduzi-los à Terra Prometida. Conforme as profecias do profeta Jeremias (cap.25,12), o tempo do cativeiro foi de 70 anos.

“Terra bem aventurada,
se por algum movimento
d’alma me fores tirada,
minha pena seja dada
a perpétuo esquecimento.
A pena desse desterro,
que eu desejo esculpido
em pedra, ou em feno duro.
Essa nunca seja ouvida
Em castigo de meu erro.”
(Versos 181-190)

Os dois fragmentos revelam o exílio, tanto do povo judeu que ficou exilado na Babilônia, quanto de Camões que passara 14 anos longe de sua terra natal, sofrendo a saudade da distância, as dores daquela Babilônia infernal. O tédio impregna todo o ser do eu-lírico. As lembranças, memórias do que vivera parecem destruir seu mundo interior. O corpo, a matéria sofrida e cansada pelas circunstâncias, a dura vida na terra de dor, de angústia, nem cantar os aliviaria. Se a lembrança, memória do passado, lhe afagava com o bem , o presente lhe causava um mal ao corpo.
O mundo sensível está fadado à efemeridade, as intempéries da vida; o exílio, a doença, as guerras, o medo; A carne humana, que é fraca, não resiste à dor , ao sofrimento. Nessa perspectiva o poeta inverte a situação. Para vencer o mundo sensível, ele se apega à alma, às coisas espirituais. Consequentemente, confrontam-se o mundo sensível e o mundo inteligível de Platão, que segue a religiosidade de Santo Agostinho. O eu-lírico segue a verticalização da ascese espiritual do mundo inteligível em detrimento do horizontal mundo sensível.
Por isso, o poema “Sobolos rios” traduz a travessia do eu-lírico do mundo material para o mundo espiritual. A transcendência não ocorre de súbito, mas sim através de uma mudança lenta, gradativa e conflitante.
O ponto inicial do poema é a estrofe abaixo:

“Sobolos rios que vão
Por Babilônia m’achei,
Onde sentado chorei
As lembranças de Sião,
E quanto nela passei.
Ali o rio corrente
De meus olhos foi manado;
E tudo bem comparado,,
Babilônia ao mal presente
Sião ao tempo passado.”
(Versos 1-10)

A disposição anímica do eu-lírico já revela o descontentamento com as situações vividas. As lágrimas brotadas nos olhos são sinais da memória, lembrança da pátria ausente. No salmo 136, os babilônios pediram que esse eu-lírico tocasse a flauta os cantos da terra de Sião. Como poderia cantar, nessa terra, o canto da mocidade? O eu-lírico pendurou os instrumentos do salgueiro. O canto ledo transformou-se em luto, em dor depois que deixou sua terra. A música leda estava consagrada à memória.
Seria, de fato, sem razão ou mesmo sem caráter cantar o vencido, ao vencedor, o canto da terra enquanto o peito se banha em lágrimas.
A dor leva o eu-lírico pelo caminho da iluminação, da religiosidade em detrimento àquela vida material sofrida do plano humano. Repleto de contradições, incertezas consubstanciais ao saber, a experiência, a imaginação, a memória, a razão, a sensibilidade. A macroestrutura do poema vai se delineando tal como é o poeta, de conflitante, refletindo sua confusão anterior: mundo sensível x mundo inteligível, céu x terra. O caminho poético desse poeta das antíteses, dos paradoxos e das contradições, irá, mais uma vez, traçar um caminho de mão dupla de sua personalidade ser ou não ser. Eis a questão que denuncia a maestria de Camões. Um caminho é o mundo sensível, sensorial, que se consuma através das experiências da vida social, a horizontalidade da vida, um caminho seguido por lutas, conflitos, choques culturais, econômicos, lutas pela sobrevivência. Um outro caminho é o do mundo inteligível, das idéias, das reminiscências.
“Sobolos rios” possui esses dois caminhos, que ora se apresenta separadamente, ora se mesclam até um repelir decisivamente o outro. Há, então no poema um afunilamento, uma redução de vias. Com esse fato o mundo sensível se choca definitivamente com o inteligível. O eu-lírico opta pelo caminho mundo inteligível, das idéias, o caminho vertical, por isso passa a buscar as coisas lá do alto.
Seguindo o pensamento cristão de Santo Agostinho e da doutrina católica, o homem tem a Cristo como o arquétipo, padrão de homem a ser seguido. Jesus existe antes de tudo. Por Ele e para Ele todas as coisas foram criadas. A vida de Jesus, sumariamente, está dividida em nascimento, paixão, morte, ressurreição e ascensão. No pensamento Agostiniano o homem precisa passar por esse mesmo processo. E a paixão seria toda a estadia nesse mundo sensível. A matéria, pelo pecado, desde o Gênesis está fadada às conseqüências do tempo e presa ao sofrimento que conota a purgação, regeneração. Justamente o viés tomado por Camões: purgar seu eu-lírico, a fim de que ele se achegue pela morte (do pecado) à ressurreição (da graça santificante), que levará o ser a ascensão, aos céus.
O mundo factual do qual fazia parte Camões também era assaz complexo e contraditório. Um longo período de Idade Média, outro longo período de Renascimento, que em seu final já tendia ao Maneirismo, o qual precedeu o estilo Barroco. A conseqüência dessas confluências era um ser fragmentado, ora muito humano, ora muito celeste, ora apegado ao materialismo da carne, ora rejeitando-a.
Num processo paulatino, elementos opostos do mundo sensível vão sendo absorvidos pelos do mundo inteligível, de forma cristianizada. Vão sendo substituídos: a memória pela reminiscência, a confusão pela paz, a tristeza pela alegria, o amor humano pelo amor celeste, a particular beleza pela beleza geral, já que o bem maior não está nas relações conflitantes da terra, mas na harmonia celeste. A felicidade não está essa Babilônia, terra de dor, está na Jerusalém celeste, terra de glória. Em razão disso, o sofrimento dessa terra de dor é a purificação para se chegar à glória.
A terra bem aventurada é, agora, a pátria celeste. Essa herança é o quinhão dos que lutam para alcançar a saúde, a salvação.

“A Palinódia já canto.
A vós só me quero ir,
Senhor e grã capitão
Da alta torre de Sião
A qual não posso subir
Se me vós não dais a mão.”
(Versos 274-280)

O canto sagrado da Palinódia é ouvido. Os tempos de medo e tristeza se acabam. O tempo da paixão, da passagem para expiação termina. O eu-lírico agora se compraz na ascensão, na verticalidade. As reminiscências da alma, quinhão doado por Deus, venceu as cruezas e perversidades da carne.

“Tanto pode o benefício da
Graça e da saúde
Que ordene que a vida mude:
E o que por vício
Me fez grau pêra virtude;
E faz que este natural
Amor, que tanto se preza
Suba da sombra do real,
Da particular beleza
Para beleza geral.”
(Versos 241-250)

O mundo sensível, embora vasto, é limitado por nossos sentidos, nossas experiências. Nós só conhecemos o que vemos. O mundo é um conceito, uma definição de realidade de cada um. A beleza é relativa, varia de acordo com o tempo, com a pessoa, com os valores estéticos de cada época. O amor é tão suscetível quanto a beleza. Varia, muda de pessoa, de opinião, de crenças. Toda a limitação desse ser terreno é deixada à parte para viver o amor universal, não a aparência, mas a essência das coisas.

“Mas ó tua, terra de glória
Se eu nunca vi tua essência
Como me lembras na ausência?
Não me lembras na memória,
Senão na reminiscência
Que a alma é tábua rasa.”
(Versos 201-206)

Seguindo a dicotomia de Platão: memória e reminiscência, Camões utiliza o termo reminiscência para explicar sua essência divina, filho de Deus, ao relatar filiação através da alma. Pela alma as leituras sagradas o levam a ansiar e desejar o céu, mesmo sem conhecê-lo. O céu, através da alma, se fez presente nele, na essência, na intelecção, na viagem inteligível do mundo perfeito das idéias.

“Que a alma é tábua rasa
Que com a escrita doutrina
Celeste tanto imagina
Que voa da própria casa
E sobe a pátria divina”
(Versos 206-210)

“A palavra de Deus é viva e eficaz, mais penetrante do que uma
espada de dois gumes, e atinge até a divisão da alma com o corpo,
das juntas e medulas, e discerne os pensamentos e intenções do
coração. Nenhuma criatura lhe é invisível.”
(Carta aos hebreus – Cap.4,12)

A explicação camoniana da reminiscência é bem cristocêntrica e, como diz a escritura, a própria palavra discerne tanto o corpo quanto a alma, explicação religiosa para os sonhos da pátria celeste.
Gradativamente, os olhos do eu-lírico foram sendo desviados do horizonte para o céu, o espaço vertical. A passagem do mundo sensível para o mundo inteligível se ratifica quando o eu-lírico se torna capaz de renunciar suas paixões, seus amores. Se, libidinosamente, a “carne” tirou o homem do paraíso, a renúncia dela o leva novamente ao Eldorado.

“E aquela humana figura
Que cá me pôde alterar,
Não é quem s’há de buscar
É raio de formosura
Que só se sabe amar.
(Versos

Com a sublimação dos ideais, os conflitos, dor e tristeza vão cedendo lugar aos frutos bons da volta ao reino. “Quem semeia entre lágrimas, recolherão com alegria.” (Salmo 125,5) Depois da paixão, passagem de um calvário de dores de um mundo sensível, o caminho do mundo inteligível levou o eu-lírico e, por que não, Camões. A ascensão ao mundo perfeito.



BIBLIOGRAFIA

AMARAL, Roberval Marques do. Profecias bíblicas à luz da história e da ciência.
RCC, Editora Santuário: Aparecida, SP. 2000

CLARET, Martin. Os Lusíadas. SP. 2005

FILHO, Aires da Mata Machado. Camões lírico. Editora Agir, 2ªedição: RJ. 1977

O gênero poema e Ensino

“A linguagem é o titulo de nobreza da humanidade” dizia o lingüista Hjemsleve. É sempre um homem falando que encontramos no mundo, o homem e a linguagem são inseparáveis.(Benveniste) Portanto, é preciso compreender a língua como ação, como ato de interlocução e comunicação entre seus falantes.

Há uma problemática no ensino de Língua portuguesa. O ensino de língua é apartado do seu uso, do seu contexto. Há muita preocupação em decorar nomenclaturas e nenhum esforço para se compreender o funcionamento da língua em sua função comunicativa, discursiva.

Ainda segundo Benveniste, a língua tem duas funções precípuas: fazer referência a algo no mundo e se comunicar. Ora, nos comunicamos oralmente e por meio da escrita, então por que o ensino nas escolas não depreende a fala coloquial como elemento de estudo, como variedade da língua? Por que se pretere a análise linguística nos textos para ensinar por fragmentos de frase e um ensino acrítico de gramática? A questão é que o ensino deve privilegiar a língua em sua função precípua; comunicar, e além disso, observar os fenômenos linguísticos nos textos, no seu percurso construtor de sentido.

Há alunos que sabem identificar as nomeclaturas, sabem de forma decorada as conjunções, as preposições, os pronomes, mas não sabem como funcionam no texto, ainda não aprenderam o funcionamento destes na construção de sentido. Por isso, a análise linguística defende o ensino por meio de textos, por meio dos gêneros textuais, pois, estão inseridos numa atividade sócio-discursiva que podemos observar a língua exercendo determinada função discursiva.

Não estamos deixando de lado a gramática. O objetivo é aplicá-la de forma consciente, reflexiva no processo de compreensão do sistema lingüístico, e da estrutura da língua. O que é condenável a meu ver, é fazer da língua um sem número de regras e nomenclaturas sem qualquer compreensão por parte do aluno. Por isso, advogamos que é necessário dar sentido ao que está sendo ensinado.

A opção por empreender uma prática didático-pedagógica do ensino de língua portuguesa nas propostas da AL é pautada nos observáveis resultados de compreensão da língua e de seu funcionamento. A metodologia da AL é mais reflexiva e privilegia o texto como unidade de ensino no processo de leitura e construção. Além disso, a AL abre um leque de observações sobre o funcionamento da língua, sua variedade, os novos gêneros textuais e a construção de sentidos no uso, na pragmática.

Há vantagens em aplicara AL, no ensino em sala de aula. O processo é integrado, em um gênero textual pode-se ensinar língua portuguesa; desde adjetivos, verbos, substantivos, períodos coordenados ou subordinados; tudo para compreender o texto em seu funcionamento. Um mesmo texto pode ser objeto de estudo por vários encontros. Por isso, os gêneros textuais são nossos objetos de estudo e tem uma sequência didática para o ensino por meio e através dele.
O conteúdo segue o currículo da escola, o que muda são propostas didáticas e o processo de ensino-aprendizagem. Aqui os textos são unidades de ensino e a língua tratada como forma de produzir textos orais e escritos. Veremos a seguir as propostas de atividades e como avaliar o aluno ou o processo.

Só há ensino se houver aprendizagem. As técnicas de ensino devem considerar a realidade do aluno, por isso a avaliação deve ser continua e cumulativa; observando a participação e o aprendizado; caso seja necessário mudar de técnica para que o aluno aprenda mais.

A utilização do gênero Lírico no método pedagógico:

Os PCNs propõem a utilização de gêneros textuais no processo metodológico de ensino. Os gêneros são os veículos com os quais nos expressamos e comunicamos,todo discurso tem sua gênese em um gênero. O objeto de nosso projeto, por isso, é o gênero lírico o qual abarca poesia e poema. A partir do gênero, podemos criar roteiros pedagógicos que desenvolvam e capacite o caráter discursivo e cognitivo do aluno.

Duas coisas caminham paralelamente na escolha dos textos a serem trabalhados: autor e obra.Porém,um ponto se mostra de fundamental importância na escolha dos textos a serem trabalhados que é a qualidade estética.É através dela que se pode traçar caminhos para chegara um fim pedagógico. Um bom texto abre vieses para temas por diversas aulas e também contribui para a aplicação e o ensino de diversos conteúdos pertinentes às analises a serem desenvolvidos em sala.

Modo de abordagem:

Entendemos abordagem como a forma a qual apresentaremos o gênero Lírico ao aluno. Para esse fim, lançamos mãos de uma metodologia; esta palavra proveio do grego e significa caminho para chegar a um fim. Desta forma, pressupõe que o docente prepare seu tema de aula. O planejamento antecipado é que determina uma abordagem qualitativa para o ensino sobre o gênero. O professor tem sempre que ter idéias de como aplicar o conteúdo de forma efetiva e agradável que despertem no aluno o interesse pela leitura do gênero sem a obrigação pela avaliação. O primeiro passo é apresentar a obra, seu tema, autor, contextualizar, criar expectativas; o segundo passo é fazer uma leitura do texto, dando sentido e expressividade a obra, valorizando as pausas, sonoridades e cadência. Dramatizar a leitura para criar sentido e dar vida ao eu-lírico com intuito de conquistar o ouvinte, é dessa forma que um ouvinte torna-se um leitor. Após a leitura, a abordagem segue com a leitura em grupo,como auxilio do professor, discutindo o tema do poema e aspectos que tangenciam a realidade. O maior interesse é fazer o aluno dialogar como texto poético.

O professor é o guia, condutor de futuros poetas e escritores, mas precisa investir na base, na preparação do discente. Todo aluno pode ser um escritor basta apresentar-lhes o caminho. O papel do docente é lapidar o poema e entregá-lo como obra prima, não acabada, pois o acabamento quem faz é o aluno, leitor/ouvinte. Devemos insistir e incentivar a prática de leitura em sala de aula que promove uma nova atitude educativa quanto ao gênero lírico. Sensibilizar os alunos a perceber os sons produzidos por aliterações, a forma e estrutura, os novos sentidos que as palavras adquirem no contexto, despertar a curiosidade de expressões novas, dar-lhes sentido a vida através da poesia. Segue-se ainda, na abordagem, o diálogo com o professor, confrontar opiniões de grupos, cada um dizer o que entendeu, identificar a situação comunicativa do eu-lírico bem como separá-lo do eu-biográfico. A maior abordagem é a poesia em si mesma, sua estética, seu alto teor significativo e criativo que deve ser apresentada ao aluno sem pretexto avaliativo.

Planejamento Didático:

A Didática como atividade de cunho prático torna melhor a relação de ensino-aprendizagem entre professor e alunos, pois, torna-a mais ampla,mais eficiente e técnica as formas pedagógicas para a utilização e otimização do gênero lírico em sala.É compromisso do professor definir a prática pedagógica que se adapte a realidade e a necessidade da turma.

De modo geral, a palavra didática se associa à arrumação, ordem e logicidade, por isso, existem planos de curso, planos de aula que organizam semestres e anos letivos para dar subsídios ao professor e ao aluno para uma boa aula e bom aprendizado. Com isso, esse projeto temático tem como arcabouço teórico e prático servir de ferramenta para o ensino de literatura no que tange ao gênero lírico em sala de aula. O aluno é o centro de nosso trabalho pedagógico, aquele que vem em busca do aprimoramento de suas competências e habilidades e o professor- aquele que busca seu aprimoramento e visa desenvolver seu trabalho de forma efetiva e qualitativa para promover o aprendizado de seus alunos.

A Estilística em " Famigerado" de Guimarães Rosa

Em termos gerais, pode-se afirmar que o objeto da Estilística é a expressividade da linguagem. Para alguns teóricos, essa expressividade reside nos desvios da norma. Os desvios, por sua vez, podem dar-se por meio do uso consciente ou mesmo pelo desconhecimento do uso das normas gramaticais.

Desde o período greco-romano, havia uma certa tendência de alguns escritores aderirem a estas formas de escrever, criando certos “desvios” nas normas da língua a fim de implementar certa expressividade, valor criativo.

O fato é que os escritores, não raras vezes, utilizam de forma consciente esses desvios para dar originalidade, expressividade a seus textos. A expressividade é uma marca autoral, é a subjetividade do escritor. Esses desvios realçam e salientam um novo valor, adiciona e dar cor própria ao texto daquilo que seu produtor tenciona. Seja nas palavras ou nas expressões, seja na estilística fonológica ou sintática há sempre uma marca de originalidade que transgride o corriqueiro, o trivial e dá um caráter pitoresco e um novo sentido ao ler um texto, que marca a autoria de um dado escritor.

Por isso, o texto utilizado tem como marca principal a criação estilística. Trata-se do conto Famigerado cujo autor, Guimarães Rosa, instaura uma narrativa com a cor local do sertão, com palavras novas, com a “gramática de ouvido”. Talvez nenhum outro escritor brasileiro tenha ousado tanto estilísticamente no que tange aos “desvios” da norma.
Numa simples leitura dos textos de Guimarães Rosa é possível observar as inovações lingüísticas implementadas por ele.

“Um grupo de cavaleiros. Isto é, vendo melhor: um cava-
leiro rente, frente à minha porta, equiparado, exato; e em-
lados, de banda, três homens a cavalo.”

Decerto, seria exaustivo listar todos os recursos estilísticos presentes no conto. Podemos, porém, elencar alguns. Equiparado, cabismeditado, desafogaréu; essas palavras estão inseridas no estudo do processo de criação neológico denominado palavras-valise. Esse processo consiste na redução de uma ou das duas bases das palavras a fim de que seus elementos constituintes se unam para formar um novo item lexical: Uma palavra perde sua parte final e outra sua parte inicial e a partir daí revela-se uma palavra-valise.

Equipado + parado = equiparado ( palavra-valise)

Outro processo existente no texto é o recurso expressivo da palavra formada por neologismo por meio do processo de prefixação. A palavra antenasal com o prefixo “ante” que quer dizer: em frente de, diante de; se junta a locução adjetiva nasal. O sentido que surge daí é “cara a cara” “frente a frente”. Era o diálogo travado entre o médico e o jagunço.


“Sobressaltado. Damazio, quem dele não ouvira? O feroz
Das estórias de léguas,com dezenas de carregadas mor-
tes. (...) Ali, antenasal, de mim a palmo!”

Logicamente, tais expressões instauram um ambiente peculiar ao tema da narrativa, evoca certo falar popular e determinados costumes de seu povo. O diálogo entre o médico e o jagunço revela o erudito e o popular caminhando na narrativa. Não raras vezes, o próprio médico absorve a linguagem coloquial e se aproxima do jagunço. O narrador é o próprio médico, (narrador-personagem), e é ele quem utiliza o termo antenasal; processo estilístico de criação de palavras com os recursos da própria língua.

As figuras de linguagem são na literatura uma forma de embelezar o texto, de experimentar maneiras novas de fazer referência a algo. Seja metáfora, metonímia, sinédoque, comparação, o escritor está sempre servindo-se delas para designar algo que, muitas vezes, apenas um item lexical não é capaz de expressar, de apontar.

“Foi de incerta feita o evento. Quem poderia esperar coisa
tão sem pés nem cabeça?”

A metáfora é uma figura de significação e consiste numa transferência de sentidos dos elementos díspares, ou seja, uma analogia entre eles, uma transmissão de características próprias de um item lexical para outro termo. Os semas de um item lexical passam a compor numa relação analógica entre as referências estabelecidas um efeito de consubstanciação dos semas.

Por isso, a expressão “coisa sem pés nem cabeça” para designar a presença do jagunço é uma metáfora. Os pés e cabeça são as duas extremidades do corpo humano. Uma coisa sem pé e sem cabeça é uma coisa sem começo e sem fim. Sem fundamento (os pés) e sem razão (a cabeça). A presença do jagunço, portanto, metaforiza-se por conotar justamente por ser algo sem fundamento, e sem razão, pois, a preposição “sem” anteposta aos vocábulos nega todas essas características. Deste modo, é sem procedência, e sem motivos lógicos a aparição de uma tropa de cavaleiros à sua janela.

Outra metáfora que podemos citar:

Damazio, quem dele não ouvira? O feroz
Das estórias de léguas,com dezenas de carregadas mor-
tes. (...)

Dizer algo sobre estórias de léguas é o mesmo que dizer grandes estórias; estórias que vão longe, estórias conhecidíssimas pelas redondezas. Há uma transferência de sentido do substantivo “estórias” que são Ca(u)sos ou fatos contados, para o substantivo “léguas” unidade de medida. Guimarães parece querer, por meio dessa metáfora, mensurar a ferocidade do jagunço pela distância que essas estórias percorrem. Essa figura de linguagem esta adaptada ao campo semântico do sertão e a linguagem daquele povo.

As figuras de linguagem são sempre utilizadas tanto na fala quanto na escrita. A diferença é que muitas caíram no uso e tornaram-se mortas, tomadas quase que como linguagem denotativa. Os romancistas e os poetas são os guardiões das criações expressivas, de uma linguagem sempre inovadora que transgride o senso comum. As metáforas, metonímias, eufemismos, comparações são a linguagem em seu uso conotativo, aproximativo, plena de inventividade, porque em muitas situações é impossível descrever algo se não for com esses recursos.

Há algo que não podemos desvincular desse processo estilístico que é a questão do sentido e do significado. O sentido está para a Pragmática assim como o significado esta para a Semântica. A Pragmática estuda a linguagem em uso, nas suas relações intersociais, no processo comunicativo. A Semântica estuda o significado das palavras, do léxico de uma língua.

Por isso quando analisamos textos de escritores e observamos criação, invenção e produtividade na língua, como na criação dos neologismos do “Guima” observamos que o processo segue determinadas organizações lingüísticas. Guimarães Rosa não age de forma inconsequente ou involuntária, ele faz de forma consciente do efeito que pretende produzir.

Queremos nos atentar para o fato de muitas dessas palavras não estão dicionarizadas, mas fazem parte de uma criação da língua. Mesmo que elas não tenham um significado dicionarizado, no texto elas possuem sentidos latentes que é parte do fazer literário do escritor e que nos aproximam de uma compreensão efetiva da construção de sentido da obra. Guimarães produziu os mais expressivos neovocábulos aproveitando a fala do povo simples, do coloquial que ajudam na compreensão da vida e dos costumes daquele povo sertanejo.

Em estado de dicionário, a palavra mantém seus semas, seu significado; algo convencionado que vincula tal palavra a uma outra com conceito semelhante, com certa proximidade de significado. No entanto, quando essa palavra assume função numa frase ou num texto, ela não somente pode evocar a esses significados como também pode adquirir outro sentido em relações estabelecidas no contexto linguístico e social. Tomemos como exemplo a frase:

“Tomei-me nos nervos”

O verbo “tomar” nesse caso não é sinônimo de ‘beber”, “ingerir”, nem o substantivo “nervos” quer dizer uma parte do corpo. “Tomar” nesse caso é o mesmo que “ficar” e “nervos”; nervoso, tenso, com medo. Num texto o leitor precisa sempre se aprofundar numa leitura vertical e não só na horizontal. Vertical no sentido de aprofundar a leitura, sair do nível de língua, área da semântica das palavras e se embrenhar no discurso, campo da Pragmática que atua levando em conta o social a comunicação. Num texto, não podemos somente ficar no nível da língua, faz-se necessário compreender o sentido que as palavras adquirem no seu uso.

Hjelmslev diz que a linguagem é o título de nobreza da humanidade. E por tal capacidade para com a linguagem, compreendemos o fato de o homem agir sobre a língua, criar e recriar palavras e expressões pela língua possibilitar múltiplas formas de produção: prefixos, afixos, desinências e outros procedimentos. É se valendo desse caráter produtivo da língua que Guimarães Rosa inova em sua narrativa e cria seus “famigerados” neologismos, no bom sentido da expressão.
Resumo do trabalho de Pesuisa sobre Língua Portuguesa/Estilística